PSICANALISE E RELIGIÃO

Supervisão Prof. Dr. Sérgio Costa

Cristianismo Primitivo e o Conceito de Jesus

          Toda tentativa de compreender a origem do Cristianismo deve partir de uma investigação da situação econômica, social, cultural e psíquica de seus  primeiros adeptos;
          A Palestina era parte do Império Romano e sucumbiu às condições de seu desenvolvimento econômico e social. O principado augustiano representara o fim do domínio de uma oligarquia feudal e ajudou a proporcionar o triunfo do homem da cidade.
          O crescente comércio internacional não representou nenhuma melhoria para as grandes massas, nem lhes satisfez melhor as necessidades diárias: somente uma pequena camada da classe proprietária se interessou por ele.
          Depois de Roma , Jerusalém era a cidade com o maior proletariado desse tipo. Os artesãos, que habitualmente só trabalhavam em casa e pertenciam em grande parte ao proletariado, fizeram causa comum com os mendigos, os trabalhadores braçais e os camponeses.
          O proletariado de Jerusalém estava em situação pior que o de Roma. Não gozava dos mesmos direitos civis dos romanos, nem tinha as suas necessidades prementes, do estômago e coração, atendida pelos imperadores com as grandes distribuições de pão e os complicados jogos e espetáculos.
          A população rural achava-se esgotada pelos impostos excessivamente  pesados, e se endividou a ponto de se tornar escrava ou lhe foram tomados os meios de produção ou as pequenas propriedades dos pequenos fazendeiros, que em parte foram engrossar as fileiras do proletariado urbano de Jerusalém, enquanto outros recorriam a remédios desesperados, como os levantes políticos violentos e os saques. Acima desse proletariado empobrecido e desesperado, surgiu  em Jerusalém, como em todo o Império Romano, uma classe média econômica que, embora sofrendo sob a pressão  romana, permanecia economicamente estável. Acima desse grupo, havia uma pequena, mas poderosa  e influente classe, a aristocracia feudal, sacerdotal e endinheirada.
          Os fariseus, os saduceus e o Am Há-aretz eram os grupos políticos e religiosos que representavam tais diferenças. Os saduceus representavam a classe abastada e superior: "[sua] doutrina é recebida por apenas uns poucos , mas que são os de maior dignidade”.
          Logo abaixo dessa pequena classe superior feudal estavam os fariseus, representando os setores médios e inferior da população urbana, “cordiais entre si, empenhados na concórdia e na consideração ao público”.
          A chamada  Am Há-aretz (literalmente pessoas da terra), contrapunha-se nitidamente aos fariseus e seu séquito mais amplo. Na  realidade constituíam  uma classe totalmente  desarraigada pela evolução econômica; nada tinham a perder, e talvez pudessem ganhar alguma coisa.
DEUS E A ANGÚSTIA  HUMANA
          A angústia  no Velho Testamento parece ter sido provocada pelo Desconhecido. Isto é, por um Deus sentido, mas ainda não revelado. Deus é um Deus que se esconde, ausente e impossível de abordar, mas que,  apesar disso, ameaça, ou impõe a angústia.
          É possível concluir então que esse perigo interior, neurótico e desconhecido, é Deus oculto no fundo da alma humana. Poder-se-ia objetar, segundo as próprias passagens da Bíblia, que muitos apelos a “Deus oculto” foram ouvidos, livrando aqueles que assim procediam da angústia.
          Mas a contradição  é apenas aparente, pois em nenhum caso, o conflito, a dúvida  deixaram de  existir na reincidência do pecado (veja-se Davi, por exemplo) levando-os assim a prosseguir no erro, uma vez que Deus atendia, mas a eles não se mostrava, como por exemplo quando Moisés lhe pediu para vê-lo  face a face e o Senhor respondeu-lhe: “Nenhum mortal me pode ver e viver.”
          Além de, na Eucaristia, Jesus nos revelar que Deus não está fora de nós, mas dentro de nós, e que já não é mais o “Deus oculto”, no fundo da alma, ainda se mostra como o “Deus revelado”, feito homem.
          Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e dando-o aos seus discípulos, disse:
                  “Tomai e comei, isto é o meu corpo”. E, tomando um cálice, deu-o a eles, dizendo: “Bebei dele todos, pois é meu sangue da aliança, que será derramado por muitos para remissão dos pecados.” (Mateus,XXVI 26,29)
          Com a Sua vinda, com a Sua revelação na Eucaristia, com  a Sua nova Aliança com o gênero humano, a angústia de morte passa a ter nova significação.
           Olhada sob o ponto de vista cristão, ou, mais amplamente, sob o aspecto teológico, a angústia humana ganhara, no Sacrifício da Cruz, a sua libertação. Confirma o Velho Testamento: é no pecado que vamos encontrar a raiz de todas as angústias. Se chamarmos de sentimento de culpa, ou de má consciência, ao fator determinante dos estados angustiosos, encontraremos a mesma etiologia, aqui verificada pelos teólogos e pelos psicanalistas, como já foi dito.
          Cristo, sofrendo por todos nós, chamando a si a culpa de todos nós, bebendo a última gota do “cálice da amargura”, suportando o suplício até a última expressão da dor carnal, dá-nos o exemplo e nos ensina que a angústia, por mais cruciante que seja, pode ser dominada, e que o nosso sentimento de culpa pose ser vencido, quando nos voltamos para Deus.
          Não se diga que a angústia de Cristo  foi vencida pela morte, porque Cristo não morreu. Cristo ressuscitou. Esta é a grande lição de Jesus a todos aqueles que são ameaçados pela morte, nas crises de angústia, e que podem também ressuscitar para a vida, isto é, livrarem-se da crise, depois de se debater nas trevas, à procura de luz, da graça divina.
          Segundo Santo Agostinho, nós caminhamos para Deus pelo Cristo homem. Mas Cristo é homem e Deus, ao mesmo tempo, pois Cristo, segundo São Paulo, “transcende o mundo, aparece como Senhor (Deus) no qual o mundo foi criado e  no qual subsiste coeso”.
          Desse modo, se Deus se ocultara até a vinda de Cristo, agora Cristo nos dá a consciência plena de Deus, uma vez que como homem O encarnou, dando-nos a plenitude do Seu Ser em nosso próprio ser. Esta união tão íntima permitiu a São Paulo afirmar, ainda, “que não só o cristão vive no Cristo, mas também que o Cristo vive no cristão”.
          “Deus não fala ao homem, se este não se mantiver num estado de clama”. No desespero, a mente está como que paralisada. Idéias, pensamentos, raciocínios, imagens, tudo enfim que estava ou permanecia na mente, cessa, para dar lugar ao desespero.
          Com a mente trabalhada, podemos transformar tudo que é ruidoso e enervante, em silêncio, se soubermos repousar os nossos músculos e órgãos, distender o espírito, clarificar o raciocínio e agir com a força necessária “para ser possível suportar a dura vida com que nos acabrunha a nossa civilização”.